Vai ter mulher no bloco de Carnaval, sim, senhores! E se não quiser beijar, não vai beijar!
00:00Créditos da imagem: Catraca Livre |
Nesse mês, o Brasil foi embalado, de ponta a ponta, pelos ritmos envolventes do tradicional Carnaval . Como não era muito fã dessa época do ano, nunca participei de comemorações e festas do tipo. Porém, dessa vez bateu aquela curiosidade de ir e conhecer de perto. Antes de decidir mesmo se ia ou não, conversei com meu namorado e comentei que boa parte do receio de participar desses blocos e festividades é saber do assédio pesado que rola lá, e óbvio, me sentir desconfortável.
Falei isso e fiquei pensando, pensando e pensando mais um pouco. Até que cheguei à seguinte conclusão: eu estava deixando de ir em determinado lugar e fazer tal coisa por estar com medo do assédio que aconteceria. Foi aí que eu identifiquei o problema: quando foi que o comportamento estúpido e desrespeitoso pela falta de bom senso de algumas pessoas começou a ditar nossas atitudes? Pelo menos para nós, mulheres? Porque isso ficou muito claro. Decidi que esse não seria um motivo para me privar de algo, principalmente porque como o movimento destaca, é preciso ensinar a necessidade e o princípio do respeito para acabar com as práticas machistas, e não ensinar as mulheres a agirem guiadas para adequarem seus hábitos à essas práticas.
Enquanto combinava com minhas amigas, reparei nos critérios que a gente usou para escolher onde ir, e o resultado é que a escolha do lugar foi instintivamente baseada em "lá os caras são muito descontrolados" e "mas pra tal lugar a gente só iria se tivesse mais homem com a gente" e "vocês tem certeza que não dá problema a gente ir só em menina?".
Ou seja, ao mesmo tempo em que por algum motivo sentíamos que eles eram exatamente a "ameaça", confiávamos que eram também a nossa segurança. Conseguem notar? Nos dois casos, eles estão em posição de poder e nós, a mercê de: 1) O seu "instinto masculino" e necessidade de comprovar a testosterona que a natureza lhes proporcionou e ceder aos caprichos dos rapazes que não sabem lidar com um não OU 2) Deixar nossa segurança depender da força e da imposição de uma imagem de segurança de outros caras, no caso nossos amigos, já que o respeito obviamente estaria de um homem para com o outro, e não de fato para com uma de nós. Mais ou menos como os tempos primitivos, sim, mesmo que estejamos no belo século XXI. Toda essa problematização para poder sair e aproveitar sem tanta neura. Tudo isso só pra curtir um pouco, dançar, conhecer umas pessoas, beijar umas bocas, enfim, tudo isso para sair numa boa.
Chegamos lá empolgadas com o clima de festa, começamos a dançar e nos divertir. E então começou o pequeno grande problema, vale reforçar que tudo ok ver uma pessoa legal e querer se aproximar, ficar e tudo mais, faz parte da vida, e é uma parte muito proveitosa, por sinal. Desde que você chegue como uma pessoa normal, conversando ou esperando o consentimento do outro coleguinha. O cenário problemático que encontramos aqui, é que na maioria gritante das vezes, não foi isso que aconteceu. Alguns caras chegavam puxando pelo braço ou pela cintura, beijando pescoços alheios (wtf) ou insistiam em simplesmente não aceitar sua resposta, ou seja, se sua justificativa para o não querer beijar a boca do rapaz não convencesse, o moço se sentia ofendido e continuava com o show de mãos cheias de dedos. É claro que houveram suas exceções, mas das abordagens que o nosso grupo recebeu, 90% foram de forma babaca.
Olha, eu, particularmente, achei uma situação muito chata. A festa, o clima, as músicas, o lugar, eram contagiantes, mas a atitude incômoda por parte de alguns frequentadores realmente estragam a vibe boa da comemoração.
Em casa, fiquei pensando no que aconteceu. Conversei com algumas amigas que participaram e o que elas acharam, o que sentiram sobre os assédios. Unânime. Todas disseram se sentir irritadas, incomodadas, constrangidas com esse tipo de abordagem. Não, não é coisa da minha cabeça. Não sei dizer se fiquei feliz ou chateada por confirmar isso. Porque significa que acontece mesmo, seja no carnaval de rua do interior, sejam nos blocos da capital paulista, no sambódromo carioca ou nos QG's sulistas.
A diferença de reação, porém, não pode ser deixada de lado. Era visível como as garotas estavam mais confortáveis em reagir de maneira firme, sem medo de deixar claro que não, não estava a fim. Como as pessoas ao redor também se incomodavam com uma chegada mais invasiva e tomavam partido. A forma como uma mulher interferia pela outra quando percebia que uma estava sendo incomodada por algum cara otário. Parece que o movimento #vamosfazerumescandalo, para azar de quem torcia o nariz e dizia ser uma onda de momento, foi para as ruas e para o coração das mulheres: não sou obrigada a ficar calada, se eu disse não com educação e você não entendeu, então sim, vai ter escândalo. Pode xingar, achar ruim, tirar sarro com os amigos. Sua falta de educação e bom senso não tem mais efeito nenhum sobre as minhas decisões, então é melhor aprender que nem sempre seus caprichos vão ser realizados, meu bem. O escândalo em barzinho tradicional na Zona Sul, nas ruas da baixa Augusta, no Centro velho, é só o começo. O #CarnavalSemAssédio está estendido para além dos limites do mês de fevereiro e seu festival de comemorações, veio para ficar, para se fazer valer no nosso dia-a-dia. Então que os mimados de plantão e primitivos se acostumem: vai ter mulher saindo sozinha sim, sem querer ficar com cara babaca sim, com liberdade de sobra para dizer sim ou não para quem ela bem entender, e que recado fique entendido.
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